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Cuidar, a arte de amar


por Eliane Sampaio Vieira de Castro

 


Texto publicado originalmente no periódico Alavanca nº 512, Nov-Dez 2015 e reproduzido com autorização.



Você cuida de um avô, pai, mãe, tio, enfim um familiar ou não familiar com câncer? Então você é um cuidador informal de paciente oncológico e algumas considerações a respeito são extremamente relevantes.


Quem cuida hoje repete uma prática milenar. Os povos da antiguidade, os cristãos dos primeiros séculos, protagonistas do cristianismo na sua origem também o fizeram. Mitos e lendas nos ensinam que na verdade, bem antes de Cristo as civilizações antigas sabiam que a dor e consequentemente a doença, podiam ser minoradas pelo acolhimento, pelo cuidado. Segundo o mito de Esculápio, deus grego da medicina, os doentes eram deixados no interior do templo onde dormiam e sonhavam com a divindade que lhes indicava no sonho a cura da sua doença. As paredes do templo simbolizam o acolhimento, a contenção das dores e mazelas humanas, e com isto, estar no templo, sentir-se abraçado, acolhido, era condição primordial para o contato com o divino e a cura.


Cuidar e curar sempre foram atitudes interdependentes. O que esperar do conhecimento médico na antiguidade, com suas praticas básicas e rústicas? As doenças e os períodos de limitação eram rápidos, a expectativa de vida era curta, cuidar significava acolher, amparar, e muitas vezes assistir após um breve período de tempo o fim de uma existência física. A morte integrava de forma natural este contexto. A importância do cuidado progrediu através do tempo até as trevas da idade média, sem

depender de tecnologia ou conhecimento que não o humano, fundamentado em empatia, compaixão e amor, e sua efetividade estava mais relacionada à qualidade de vida e qualidade da morte que propriamente ao tempo de vida.


As luzes do período renascentista acenderam as expectativas em relação ao conhecimento científico. A ciência médica não tornou ninguém menos humano e muito menos imortal, entretanto, ampliou de tal forma o tempo de vida que, se no passado os pacientes mal chegavam ao diagnóstico de suas doenças hoje vislumbram a cura após longo e frequentemente penoso processo, ampliando o tempo e a complexidade do cuidado, abrangendo pacientes mais idosos e famílias com menor numero de indivíduos e consequentemente, menor numero de cuidadores disponíveis.


Ninguém vive com câncer sozinho ou pelo menos assim não deveria ser. Todo o entorno familiar vive a doença e o tratamento. A dor como mecanismo evolutivo característica do mundo de provas e expiação continua seu trabalho de burilamento espiritual e a tragédia antes particular, o aguilhão de dor antes restrito a um grupamento familiar, na atual sociedade é estímulo para a fraternidade. Assim como a medicina todos os campos do conhecimento humano se desenvolveram e o homem resultante deste desenvolvimento, sem abrir mão da tecnologia hoje busca o espírito. Reconhecendo a característica multidimensional do ser a humanidade viu nascer ainda no século passado a filosofia dos cuidados paliativos e hoje não se admite o tratamento oncológico sem a abordagem multiprofissional e o apoio espiritual. Se por um lado as famílias menores contam com poucos cuidadores por um tempo maior, psicólogos, enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, odontólogos, assistentes sociais, nutricionistas, capelães e outros se unem aos médicos no tratamento destes pacientes e apoio a seus familiares. Ensinar coisas simples e efetivas em linguagem compreensível, identificar situações de risco, fortalecer os vínculos afetivos entre pacientes e cuidadores colaborando na solução de conflitos, instrumentalizar cuidadores para lidar com as dificuldades materiais, físicas e emocionais próprias e do

paciente, tudo isto é um exemplo prático desta filosofia.


Em palestra no mundo espiritual ao fim do Congresso Espírita de 1999, transcrita pelo espírito Cícero Pereira através da psicografia de Wanderley Soares de Oliveira no opúsculo “Atitudes de Amor” Dr. Bezerra de Menezes se refere ao terceiro período de 70 anos desde a codificação da doutrina, como o período da atitude e afirma:


“Esse novo tempo deverá conduzir a efeitos salutares a nossa coletividade espírita, criando entre nós, seus adeptos, o período da atitude. O velho discurso sem prática deverá ser substituído por efetiva renovação moral. É a etapa da fraternidade na qual a ética do amor será eleita como meta essencial...”


Não é fácil ser um cuidador informal de paciente oncológico, não é fácil cuidar quando precisamos também ser cuidados, mas se a escola da dor ainda se faz presente então é porque temos muito a aprender. Quem cuida não está só e todos nós, cuidadores profissionais, cuidadores informais e pacientes estamos aprendendo juntos a amar. Já se foram mais de 2000 anos desde a Mensagem do Monte e mais de 150 anos da terceira revelação e se você é um cuidador informal de paciente oncológico, tenha a certeza de que você não está só.



SOBRE A AUTORA

Eliane Sampaio Vieira de Castro é Médica Cardiologista, Intensivista e Paliativista e vice-presidente da Associação Médico Espírita Campineira.


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