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Álcool: como e porque não aprender a beber

Atualizado: 6 de fev. de 2020

por Eduardo Alencar Thomaziello


 


“Nós não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.”

Teilhard de Chardin



No filme “Nasce uma Estrela” (A Star is Born, 2018), o ator e diretor Bradley Cooper interpreta um famoso cantor envolvido com drogas, e que havia iniciado o uso do álcool com seu próprio pai. Advirto que farei aqui um spoiler, se não quiser saber algo do filme pule para o próximo parágrafo. O filme acabou levando a estatueta do Óscar de Melhor Canção Original: Shallow, da autoria da cantora Lady Gaga, que recebeu muitos elogios da crítica ao contracenar com Bradley Cooper. E o spoiler: o personagem faz sua primeira tentativa de suicídio aos 13 anos de idade na sala de sua casa, mas que não teve sucesso porque o ventilador ao qual tentou se enforcar caiu ao chão. O mais trágico foi que o pai estava ali naquele momento, mas nada percebeu por estar totalmente alcoolizado. E o ventilador ainda ficou no chão da sala por cerca de 6 meses. Pai e filho eram “companheiros de bebedeira”.


Em 31 de outubro de 2019 a secretaria de saúde do Estado de São Paulo promoveu o XI Fórum Estadual de Promoção da Saúde São Paulo que contou com a presença de diversas autoridades no assunto. O Diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde (DASNT/SVS/MS) Eduardo Marques Macário trouxe dados surpreendentes: 75% da mortalidade geral no Brasil se deve às Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), que são as doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, diabetes mellitus e neoplasias. Na gênese destas doenças temos os seguintes fatores de risco: tabagismo, alimentação inadequada, inatividade física e consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Embora percebamos uma queda na prevalência de fumantes no Brasil devido à efetiva Política Pública adotada nas últimas décadas, constata-se um possível aumento da prevalência entre jovens pela introdução de novas tecnologias como o cigarro eletrônico. Mesmo assim, nós tivemos uma diminuição da prevalência do tabagismo de 34,1% na população brasileira quando considerados os dados do VIGITEL de 2010 a 2018, mas neste mesmo período tivemos redução de apenas 0,9% no consumo abusivo de bebidas alcoólicas.


Em média são gastos cerca de 105 milhões de reais ao ano com internações devido a causas plenamente atribuíveis ao álcool, de acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde (SIH/MS). Cerca de 290.500 pessoas morreram entre 2000 e 2017 por causas plenamente atribuíveis ao uso de álcool, o que corresponde a duas pessoas mortas a cada hora (Sistema de Informações de Mortalidade - SIM/MS). De cada 4 pessoas que tentam o suicídio, entre pessoas com 10 anos ou mais, uma delas havia abusado do álcool nas 6 horas anteriores à ocorrência. Nos últimos 10 anos 196.278 mortes poderiam ter sido evitadas. Segundo o VIGITEL, inquérito epidemiológico realizado anualmente no Brasil, em 2018 a prevalência do uso do álcool em adultos era de 40,4% sendo que 17,9% admitiam ter feito consumo abusivo de bebida alcoólica nos últimos 30 dias: consumo de 4 ou mais doses (se mulher) ou 5 ou mais doses (se homem). Segundo o VIVA Inquérito de 2017 a suspeita de uso de álcool pelo agressor esteve presente em 46% das violências interpessoais.


Mas, mesmo depois de tantas estatísticas acima citadas, o estudo que marca um divisor de águas nas Políticas Públicas em relação ao Álcool foi o publicado pela revista Lancet em 22/09/2018 que diz claramente: “nenhum nível de consumo de álcool melhora a saúde”. Ou seja, o profissional de saúde não está atualizado, com base em evidências científicas, quando diz que ingerir bebida alcoólica melhora a saúde do indivíduo. Esta análise sistemática publicada pela Lancet utilizou de pesquisas realizadas em 195 países no período de 1990 a 2016 e concluiu que o uso do álcool é um dos principais fatores de risco para a Carga Global de Doenças e causa perda substancial de saúde.


Descobriu-se que o risco de mortalidade por todas as causas, e de câncer especificamente, aumenta com o aumento dos níveis de consumo e que o nível de consumo de álcool que minimiza a perda de saúde é zero. Esses resultados sugerem que as políticas de controle do álcool precisam ser revisadas em todo o mundo, e os esforços devem se concentrar em reduzir o consumo geral no nível da população.


A Iniciativa SAFER, lançada mundialmente pela OMS em 2018, e que chegou ao nosso país em outubro de 2019 através de uma parceria entre Ministério da Saúde e a OPAS Brasil oferece cinco ações estratégicas de alto impacto que deverão ser priorizadas na implementação de políticas de promoção de saúde e desenvolvimento:


1. Reforçar as restrições à disponibilidade de álcool;

2. Avançar e impor contra medidas para direção sob efeito do álcool;

3. Facilitar o acesso à triagem, intervenções breves e tratamento;

4. Aplicar proibições ou restrições abrangentes à publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas;

5. Aumentar os preços do álcool por meio de impostos e políticas de preços.


Atitude louvável realizada pela Prefeitura de São Paulo foi o lançamento da Campanha “Bebida Alcoólica - Quanto Mais Cedo Pior” no dia Internacional de Combate às Drogas em 26/06/2019.


Quem começa a beber antes dos 15 anos de idade tem 4 vezes mais chances de se tornar um dependente químico! No dia 17 de março de 2015, entrou em vigor a lei Federal 13.106, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente. O que urge considerar aqui é o papel de cada cidadão, e em particular de nós espíritas, diante da magnitude deste problema. Como proteger as almas que chegam até nós, no convívio familiar, do potencial dano causado pelo álcool no programa reencarnatório de cada um? O que efetivamente temos feito para proteger nossas crianças e adolescentes de tal flagelo? Qual é a relação que estabelecemos com o uso de álcool em nossa família, em nossa roda de amigos, e, ainda mais, nós permitimos o consumo de álcool em eventos da Casa Espírita?


Se as evidências científicas estão nos mostrando que o uso do álcool não acrescenta valor e nenhum benefício à saúde das pessoas, e que, ao contrário, é fator de risco para a maioria das DCNT, tem forte impacto no custo do sistema de saúde e cobra pedágio ao longo da vida de quem dela faz uso, mesmo moderadamente ou o famoso “socialmente”, a pergunta que angustia é: “Por que oferecemos ou permitimos o uso desta substância psicoativa pelos espíritos que reencarnaram para estar sob nossa proteção?”. O questionamento também se estende para todas as outras drogas que comprovadamente trazem prejuízos ao cérebro em formação de nossas crianças e adolescentes, e em destaque a maconha, que já escrevemos por aqui.


Enquanto mantivermos a postura de que a problemática do uso abusivo de álcool se resume ao saber beber, ou beber menos para reduzir danos, hegemonicamente prevalente na política dos serviços de saúde hoje no país, estaremos caindo no mesmo equívoco que os moradores da colônia de Nosso Lar cometeram quando o governador liderou uma mudança no hábito alimentar dos moradores. Muitos se revoltaram e tentaram boicotar esta tentativa do nobre espírito que estava imbuído da crença de que tal medida traria incremento na Espiritualidade daquela comunidade de espíritos. No decorrer dos anos, esta mudança provou ser o melhor para todos, mas mesmo lá, por se tratar de mudança de hábitos, enfrentou grande resistência daqueles que irremediavelmente estavam ainda ligados aos prazeres deste mundo que ora nos encontramos. E que tal chegarmos lá do outro lado da existência, Nossa Verdadeira Vida, sem termos desencarnado pelo hábito do uso de substâncias psicoativas?


A dependência química ao álcool é uma doença multifatorial que tem inclusive um componente genético, que se expressará somente e se o encarnado entrar em contato com o álcool, e quanto mais cedo este início pior o prognóstico. Estudos indicam que a experimentação, a primeira ingesta de bebida alcoólica, para a maioria dos dependentes químicos se deu dentro do lar ou em ambiente familiar. Mas, não aprendemos na Doutrina Espírita, que os pais têm o compromisso de proteger as almas que reencarnam sob a sua tutela? E ainda nem estamos falando sobre as companhias espirituais que sempre estarão por perto durante o consumo da substância. Não há como crer que ao ingerir tais substâncias psicoativas estaríamos atraindo espíritos de nobre envergadura.


Para caminhar para o final desta conversa, e fazendo um link com o filme “Nasce uma Estrela”, mesmo não sendo o pai que serve a bebida ao filho de 12 anos, e também oferece o exemplo do vício, podemos porventura sermos o irmão, o vizinho, o colega de profissão de alguém que o faz, ou o colega de centro de espírita de alguém que ainda permanece em tal comportamento. Ou muito possivelmente temos na família alguém com este hábito de abuso de bebida alcoólica ou outra droga como cigarro, cocaína, maconha, et. Ou até podemos nos comportar como o codependente da relação.


O que fazer então? Qual o melhor tratamento para aqueles que, porventura estão atravessando a problemática da Dependência Química ou que se enquadram nos critérios de um codependente? Sem dúvida que o Espiritismo pode ajudar e muitas casas espíritas possuem trabalhos voltados a estas pessoas, mas importante considerar que o tratamento com profissionais da saúde deva ser feito concomitantemente. Uma equipe multiprofissional com médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais fazem muita diferença no alcance das metas terapêuticas. Historicamente, programas que se baseiam na abstinência das drogas e alicerçados no resgate da Espiritualidade das pessoas foram os que mais conseguiram resgatar estas almas para o encontro com o caminho traçado na Erraticidade. O que se conseguiu ao longo das décadas com o programa dos 12 passos do Alcoólicos Anônimos (AA) e outros grupos de mútua ajuda como Narcóticos Anônimos (NA), Al-Anon, Amor Exigente, agora estamos conseguindo com os Grupos de Apoio Fraterno. Estes parecem ser instrumentos de que Deus utiliza para que se consiga resgatar a dignidade destes espíritos ainda nesta atual existência. E é sobre o Apoio Fraterno, metodologia criada pelo nosso amigo Édson Luiz Cardoso da Associação Médio-Espírita de Santo Ângelo/RS que trataremos em novo artigo e que será devidamente esclarecido no nosso próximo Congresso de Dependência Química e Espiritualidade a se realizar em 01 e 02 de agosto de 2020 no Centro de Estudos Espíritas Nosso Lar.


Te aguardamos lá!!!



SOBRE O AUTOR

Eduardo Alencar Thomaziello é médico, com graduação pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, especialista em Homeopatia e Medicina de Família e Comunidade e membro da Associação Médico-Espírita Campineira (AMEC).


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